Olho de lince para sobreviver a Barrancos

Noudar/Barrancos é terra de linces. Deveria ser. Seria bom que fosse. Luísa Nunes ilustra com umas agradáveis aguarelas e explica no belo Diário da Natureza que a Associação IBERLINX ofereceu aos cerca de 500 participantes no I Trail Iberlince de Barrancos o que nos atrai no olhar de um gato selvagem. Consta que não é meramente a sua beleza mas também a sua ferocidade.
No imaginário referente a esta extraordinária criatura surge a crendice medieval de conseguir ver através de corpos opacos, exímio na caça pois, já que uma visão apurada constituiu fator decisivo para conseguir caçar o número de coelhos bravos necessários à sua sobrevivência. Parece não haver já coelhos bravos em número suficiente para assegurar o sucesso da reintrodução da espécie mas nesta terra de barrancos o bosque mediterrânico com a sucessão de zonas arbustivas e de clareiras ainda permite descansar a alma e cansar o corpo, senão o dos linces, pelo menos os dos que se aventuram às surpresas com que o Ico Bossa costuma mimosear os convidados.
Antes da Partida para os 21 Km que afinal poderiam ser 24 Km a frigidez da noite já dava lugar a mais um antecipável dia seco e quente, a secura que todo o Alentejo espelha e sofre, alvíssaras afinal para alguns trilhos técnicos que em dia de chuva copiosa elevariam para níveis de alta perigosidade real alguns troços destes trilhos de linces que ontem também foram para lobos ... de Portalegre.
A prova é fabulosa e como normalmente acontece na corrida por trilhos são os trilhos mais difíceis que vão perdurar na memória. Uma sucessão de rampas e de descidas técnicas colocadas logo no início com mais de 6 Km pelas margens da ribeira da Múrtega, umas vezes alcantiladas a deslizar para o leito quase seco, noutras bem junto ao curso de água a exigirem uma atenção e foco constante para evitar tropeções ou ... mergulhos secos do trampolim dos 50 m.  Uma parte intermédia mais corrível mas que poucos apanhei lá a correr e seguia bem  no primeiro terço dos concorrentes. Para o final mais umas malvadezas do Bossa. Quando já se pensava em abrir até à Meta presenteou-nos com 5 Km finais novamente muito técnicos. Uma prova exigente que obriga a prudência nos ritmos com que se aborda. Foi a minha safa. Com medo da parte técnica inicial geri-a com muita calma e isso permitiu-me ter verdadeiro prazer durante as 3 h e picos que por lá andei, sem um única cãibra e a sentir sempre as pernas soltas até final. Nem queria acreditar.


(Filme do Luís Gouveia que dá bem a ideia das características da prova)
A Organização do Barrancos Futebol Clube é de pormenores, daqueles pormenores que encontramos nas provas organizadas por corredores para corredores. Piadolas à Ico impressas e espalhadas pelas rampas mais inclinadas sabendo de antemão que a malta ia lê-las de nariz rente ao chão, zonas perigosas bem assinaladas, marcações irrepreensíveis incluindo pequenos seixos pintados à mão, tal como foram únicos e pintados à mão pelos alunos do Agrupamento de Escolas de Barrancos o meio milhar de calhaus preparados para entregar como prémio de Finalista. Jovens no início de todos os locais mais perigosos eram sinal de perigo eminente. Tinha-se cuidado. Meta singela promovendo a capital do presunto, ambiente festivo no final, tudo descontraído e adocicado pelo falar barranquenho .
Para a dupla o FDS foi um mimo. Viajámos de sexta e passamos duas noites alojados no Monte da Coitadinha, um fim de mundo virado para o Castelo de Noudar onde Portugal acaba e a Espanha começa no serpenteado do rio Ardila. É certo que não viajámos da cidade, viajámos da cidadezinha noutro fim de mundo mas mesmo assim soube bem dormir num local onde para se chegar há que percorrer quase 7 Km de estradão de terra em não muito bom estado. Passear no meio de vacas mertolengas acossadas pela Fiúza, cadela anfitriã que a todo o momento nos fez lembrar a Amy sozinha em casa, assistir ao por do sor da Eira grande a ver veados a saltar à nossa frente e passar o serão na calma de uma lareira de centro de salão na Casa da Malta a fazer amigos foi um festejo de 55º aniversário bem agradável. Mais agradável ainda o desempenho desportivo de ambos com ótimas sensações, nomeadamente a de felicidade em estado puro.
I Trail Iberlince de Barrancos: 3 distâncias - 39 Km, 23 Km e 11 Km.
Nos 23 Km classificaram-se 186 concorrentes. Eu fui 51º com 3 h 16 m 34 s (2º M55) e a Vitorina foi 23º com 2 h 53 m 05 s (3ª feminina e 1ª F50).


Correr e passear: venham mais 55! ;)

Fica a dica: Migas e porco preto em Barrancos e no dia seguinte até voam!
A Vitorina apresenta-se assim sempre que vê o Zé Gonçalves a fotografar! Confira nas Fotos do Zé.
Nem me lembrava de ter corrido ... até ver a foto da Bernardete Morita!
Só bebo sumo de laranja! Sem cãibras graças aos eletrólitos do Bancaleiro ;) Foto de Paulo Amaral.
Viemos de Barrancos com a alma e com o saco cheios
Aníbal Godinho, Manuel Damião, Vitorina, Narciso Castaño, Ico Bossa e Paulo Guerra: barranquenhos de alta competição e amigos!


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